Memento
A memória humana é um sistema complexo que, apesar da sua enorme capacidade e importância, se pode revelar inesperadamente tão falível. Todos nós nos queixamos, por vezes, de que a nossa memória é horrível. Mas, pelo contrário, trata-se de um sistema magnífico sem o qual não existiria aprendizagem, as relações interpessoais seriam impossíveis e passaríamos a viver um eterno presente. A memória é o fundamento de todos os comportamentos e conhecimentos dos seres humanos, além de se encontrar associada às emoções e capacidade de decisão: é a memória que assegura a adaptação ao meio ambiente e gera a atribuição subjectiva de significações às nossas vivências. Nós somos seres feitos de memória, colectiva e individual. A própria consciência pessoal depende do bom funcionamento da memória.
Neste filme em especifico, mostra-nos a importância da memória e levanta algumas questões como por exemplo, qual a diferença entre o protagonista e um animal? Chegamos também à conclusão que o único momento em que temos acesso a um "registo" mais fiel da realidade é no instante em que a percecionamos. Depois disso tudo se torna memória - que é subjetiva. O protagonista, Leonard, também tem essa capacidade de percecionar a realidade mas sendo incapaz de criar memórias perde a noção de sentido, a capacidade de julgar e tomar decisões. No entanto, Leonard não age por instinto, não é nenhum sociopata, isto porque "apenas" perdeu a memória a curto prazo mantendo toda a sua educação moral.
Conclui-se assim que Leonard sofre de amnésia anterógrada (este tipo de memória segue-se de um trauma cerebral e é caracterizada pela incapacidade de lembrar novas informações, lembranças de experiências recentes desaparecem, mas a pessoa consegue recordar com clareza os eventos anteriores ao trauma – todavia, há uma incapacidade cognitiva de criar novas memórias a longo prazo, como se a personagem principal vivesse condenada a ser uma espécie de prisioneiro de um tempo presente sempiterno, como se toda a sua vida se repetisse ciclicamente num purgatório confinado a uma memória fugaz de instantes presentes) devido a uma pancada que sofreu na cabeça, provocada pelo criminoso que supostamente violou e matou a sua esposa. Leonard recorda-se ao longo do filme de ter disparado e atingido mortalmente um dos criminosos, mas o segundo escapou depois de o ter agredido violentamente. A polícia descartou esta possibilidade, tendo afirmado a inexistência de um segundo criminoso, e encerrou o caso. Em suma, podemos concluir que é a nossa memória que retém conhecimentos, informações, ideias, acontecimentos, encontros. E este património torna-nos únicos, assegurando-nos a nossa identidade pessoal. E se associamos a memória à manutenção do passado, convém lembrar que é graças à memória que estruturamos o presente e que é possível pensarmos e projetarmos o futuro. Essencial à sobrevivência, é a memória que nos permite, sempre que precisamos, atualizar a informação necessária para dar resposta aos desafios do meio. É por possuirmos memória que não pousamos a mão numa chapa em brasa, que não nos aproximamos de um animal perigoso, que paramos no semáforo vermelho, etc. Aprendemos a lidar com o meio e é a memória que atualiza os comportamentos aprendidos adaptados à situação.
De modo a melhor compreender esta situação vivida por Leonard, o realizador, optou pela organização por cenas retrograda, uma vez que não é o futuro que é imprevisível mas sim o passado.